O Papa (d)e Cuba?
- Adriano Macêdo
- 17 de mai. de 2015
- 5 min de leitura

Nestes últimos dias, diante do anúncio da visita do Papa Francisco a Cuba em Setembro/2015, muitos católicos saíram em defesa do Papa (talvez já antecipando críticas) no sentido de que este não irá "anunciar" uma adesão ao socialismo, e que a crítica feita ao capitalismo (ver aqui) visa apenas tirar o dinheiro do centro da vida dos fiéis. Alguns até lembraram que o Papa afirmar qualquer simpatia ao Socialismo ou Comunismo estaria indo de encontro à Encíclica do Papa Pio XI, que deixa claro que todo aquele que é comunista, adere a pensamentos comunistas ou apoia pensamentos comunistas está automaticamente excomungado da Igreja Católica e que, portanto, o Papa Francisco não daria tal apoio e nunca teve essa intenção.
Há alguns problemas nesse raciocínio.
O primeiro deles: De boas intenções o inferno está cheio. No âmbito da vida política o que interessa não são as intenções MAS OS ATOS. Atos muito bem intencionados que descambam para problemas ainda maiores do que os que se busca resolver são comuns quando não se detém o conhecimento mínimo das suas implicações.
O fato do Papa Francisco realmente querer o bem e de dignificar os cristãos cubanos não o autorizaria a, em nome disso, estabelecer qualquer tipo de aproximação com um regime calhorda, ditatorial, totalitário e explorador do povo, como é o regime comunista de Fidel Castro. Seria um tapa na cara de inúmeros cristãos cubanos e não cubanos que lutam pela volta da democracia a Cuba e a queda de um regime infame.
O segundo ponto é que se a ideia papal é tirar o dinheiro do centro da vida do cristão, para isso não precisa nem criticar nem se filiar ao capitalismo ou ao socialismo/comunismo. Isto porque tal crítica, em relação aos fiéis, se estabelece não no nível político ou econômico mas sim no nível religioso. Trata-se de uma discussão que deveria passar por essa temática DENTRO da igreja, no nível da fé católica em seus valores e práticas, afinal “a César o que é de César” e os católicos de todo o mundo estão espalhados em países com inúmeros nuances políticos, desde o liberalismo até a social-democracia, de tiranias comunistas até democracias constitucionais.
Em terceiro, sendo o capitalismo uma linha exclusivamente econômica, e o socialismo/comunismo tanto uma linha econômica como POLÍTICA, o Papa claramente confunde um debate exclusivamente econômico, no qual está centrado o capitalismo, esquecendo-se que há este outro debate, de cunho político (e obrigatório), que o socialismo e o comunismo trazem como fenômeno intrínseco. Enquanto o capitalismo se opõe ao comunismo no sentido econômico, o mesmo não ocorre no sentido político, tanto que o capitalismo do século XXI viu florescer o chamado “capitalismo de Estado” em várias nações, supostamente democráticas ou não comunistas. No sentido político o comunismo aponta para o totalitarismo e sua oposição se faz com o pior regime, “com exceção de todos os outros”, que é a DEMOCRACIA.
Em quarto, e agora no sentido próprio a que o Papa deveria se ater, é evidente que para afastar a mente do cristão do dinheiro como centro axiológico de sua vida, bastaria o real incentivo, pela Igreja, do (re)encontro com a transcendência, atendendo ao chamado do bem (agathon), por meio da verdade (zetema), dentro da natural atração (helkein), como diria Eric Voegelin. Esse é o caminho natural da parusia, que afinal é o objeto maior da fé em Cristo. Mas o que o Papa está fazendo, na verdade, é se afastar da abordagem eminentemente religiosa tradicional e se aproximando perigosamente do caminho gnóstico, trazendo consigo todo o risco de uma teologia da libertação renovada no seio da Igreja Católica, agora em escala global. Ou alguém não vê o que acontece dentro da CNBB aqui no Brasil? É de se temer o risco desse caminho e vamos torcer para que essa visão irrestrita, no sentido usado por Thomas Sowell, não vença.
Talvez menos alertas para questões dessa natureza, muitos dos católicos afirmam que tal situação não existe pois isso colocaria em xeque o dogma da Infalibilidade Papal, levando toda Igreja Católica a uma crise, o que seria "evidente" (sic) que não vai ocorrer. Sobre isso só posso dizer que torcer é uma rendição à impotência. Essa posição não tem sustentação, pois o dogma da infalibilidade não se refere a questões temporais. As decisões de ordem política do Vaticano não estão abarcadas pela infalibilidade, mas apenas as de cunho teológico. Logo, se o Papa envereda por um caminho populista isto não afetará sua autoridade religiosa embora afete enormemente sua atuação como chefe de Estado e líder do catolicismo.
Outra objeção possível a ser feita é que o Papa Francisco seria uma peça importante no processo de reaproximação de Cuba com os Estados Unidos e que, além disso, não seria a primeira visita de um Papa a Cuba, visto que João Paulo II, em janeiro de 1998, e Bento XVI, em março de 2012, também lá estiveram. Aí o problema se dirige para o perfil de cada Papa. Alguém teria alguma dúvida sobre o posicionamento anticomunista sólido do polonês Wojtyla ou do alemão Ratzinger em suas respectivas visitas?
Pois é, há uma certa dúvida, cada vez maior, sobre o efetivo grau de conhecimento do argentino Bergoglio sobre o risco comunista e do que efetivamente representa a Encíclica do Papa Pio XI. A infalibilidade, neste aspecto político, passa longe da figura papal (vale pra todos e não apenas para o Papa Francisco). Isso sem contar o risco representado – para os que creem – na concretização do terceiro Segredo de Fátima. Mas isso é um assunto que extrapola esta crônica e não cabe agora misturar a esse caso.
Em "O Jardim das Aflições", do filósofo Olavo de Carvalho (pg. 246), obra que o próprio autor considera como o seu mais bem fundamentado trabalho, encontra-se o seguinte texto (com meus destaques): "O cristianismo abre entre a individualidade física e a identidade social humana um intervalo, o espaço da liberdade interior, a ser preenchido pelo desenvolvimento da autoconsciência. Este desenvolvimento é IMPOSSÍVEL enquanto todo o horizonte da atenção for ocupado, de um lado, pelos impulsos naturais egoístas, de outro, PELO IDEALISMO SOCIAL (precisamente as duas colunas a que se pretende reduzir o templo da moral moderna). É nesse espaço que floresce a personalidade humana...(n)aquele hiato que o cristianismo abre ente indivíduo e sociedade ao proclamar (...) que cada cristão é um estrangeiro em sua própria pátria. A socialidade fica assim submetida hierarquicamente à solidão onde Deus habita: a assembleia dos que se reúnem em nome de Cristo é uma assembleia de homens que conhecem profundamente a solidão de seus corações, e que precisamente por isso podem se reunir em Cristo e não em mera tagarelice."
E na pág. 256 ele continua: "Mas não foi só dentro da Igreja que o espírito do mundo romano permaneceu atuante: (...) É como se o espírito pagão se houvesse bipartido: seu gênio político, histórico e jurídico INFILTROU-SE NA ALTA HIERARQUIA da Igreja, enquanto sua religião cósmica, seus deuses naturais, se refugiavam no gnosticismo. (...) A aliança de religião estatal e religião cósmica opõe-se à aliança de Deus e do homem."
Eis o motivo do meu temor crescente com a onda gnóstica (e esse conceito é fundamental para entender o que estou falando) dentro não somente da Igreja, mas do mundo civilizado ocidental. E não estou aqui acusando o Papa de ser gnóstico, mas sim atento para que não se permita ou tolere esse cranco dentro das questões que o catolicismo precisa enfrentar, se omitindo de uma forma parecida com o que ocorreu recentemente em relação às questões da pedofilia e do homossexualismo no seio da Igreja.
E, finalmente, um ponto pragmático: gosto sempre de olhar para o que a esquerda está dizendo, no caso rasgando elogios ao Papa e sua “conduta humanista”. É mesmo? Quando essa gente elogia e enaltece é um bom motivo pra se temer o que vem por aí...
Um papa pode ter mais ou menos inteligência, pode ser mais ou menos bom, pode ter mais ou menos fé, mas não pode se dar ao luxo de ser ingênuo no tocante às forças de ordem mundana e espiritual que atuam contra a aliança entre o homem e Deus...
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